Se tivesse
que sintetizar e responder em poucas linhas a questão‑título deste texto, não
teria dúvidas, diria que educação de qualidade é aquela que garante ao
cidadão acesso, compreensão e uso das possibilidades a ele concedidas pelo
conhecimento, de forma crítica, cidadã, ética e fraterna.
Nesse
sentido, creio ser de grande valia analisar alguns dos termos‑chave desta
síntese, a principiar pela própria expressão “educação de qualidade”, que pode
ser entendida, para início de conversa, como redundante, apesar de bastante
necessária. O acréscimo do vocábulo “qualidade”, definido no dicionário Aurélio
como sendo a “propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas,
que as distingue das outras e lhes determina a natureza” ou ainda como aquilo
que define padrões de “superioridade, excelência” para alguém ou algo
deveria ser inerente, ou seja, entendido como característica presente ou, no
mínimo, almejada para a educação.
Não
é isso o que acontece. Quando falamos simplesmente de “educação” não agregamos
a este conceito, a princípio, como dado permanente e presente, ou ao menos
esperado, a ideia de prática virtuosa, superior. Ou seja, Educação e Qualidade
não são palavras que entendemos como irmãs, emparceiradas e unidas de forma indissolúvel.
Ao menos não até o momento. Por isso utilizamos como distintivo a expressão
“educação de qualidade”. Há, portanto, em nosso horizonte, “educação” e
“educação de qualidade”.
O
que esperamos é que isso venha a acontecer, de tal modo que, ao falarmos em
educação num futuro indefinido, que esperamos próximo, já concebamos tal ação
ou área de atuação como sendo de “qualidade”, ou seja, de alto nível.
Indo
um pouco além na definição inicialmente apresentada, daria enlevo à ideia de que
a educação deve “garantir” ao cidadão acesso, compreensão e uso do
conhecimento. Não vivemos num país em que as garantias sejam culturalmente
significativas, a não ser que nosso direito de consumidores seja diretamente
afetado pelo mau funcionamento de um televisor ou de um computador, por
exemplo.
A
garantia de uma educação que ofereça possibilidades reais de progresso dentro
do contexto social, econômico e político em que vivemos, a todo e qualquer
cidadão, não deveria ser apenas um belo discurso apregoado em nossas leis. O
não cumprimento deste preceito constitucional deveria resultar em penalidades a
todas as pessoas que, responsáveis por essa ação, não proporcionarem reais
possibilidades a seus alunos de atingirem metas e resultados que comprovadamente
garantam a eles o esperado sucesso educacional.
E
o que queremos dizer com “sucesso educacional”? Altivez, voz ativa, capacidade
e ensejo à participação, condição de avaliar criticamente as variáveis do mundo
em que vive, compreensão dos códigos e normas que regem a vida em sociedade,
respeito pelo próximo, mobilização em favor de valores universais [como a paz e
solidariedade] e capacidade de empreender, de realizar, são atributos esperados
para que possamos atestar tal sucesso.
Mas
estes resultados acontecem ao longo de toda a vida, cabendo a escola papéis
aparentemente “menores” nesta jornada rumo ao cidadão consciente, integrado,
participativo e solidário mencionado como aquele que atinge o sucesso
educacional. Às escolas competem ações mais objetivas e claras como a
alfabetização e o letramento, o estímulo e a prática da leitura, a compreensão
e uso da linguagem matemática, o acesso a línguas estrangeiras, o ensejo e
apreciação das artes, o entendimento do mundo e da humanidade a partir das
ciências humanas, o incentivo à prática desportiva...
E
é justamente neste ponto que reside a necessidade de virar a mesa e compreender
que, todas estas ações empreendidas pela escola, em parceria com a família e a
sociedade como um todo, ungida e promovida pelas forças políticas que comandam
o país [independentemente de bandeiras políticas], constituem o alicerce
fundamental para a consecução da educação de qualidade, aquela que concretiza o
sucesso educacional.
Cada
ação educacional, realizada da forma mais competente, profissional e plena
possível tem a capacidade de consolidar nos estudantes mais e melhores
possibilidades de êxito em suas vidas. E mais, o entrelaçamento de todas as
ações e práticas realizadas ao longo da vida escolar de uma criança é capaz de
definir aonde ela poderá chegar, ou seja, se será um técnico especializado, um
médico a salvar vidas, um professor competente ou se irá purgar em sua
existência terrena, subempregado ou desempregado, mendigando pelas ruas,
vivendo em barracos ou embaixo da ponte...
Costumo
ressaltar que assim como os médicos, também os professores [e todos os outros
profissionais, cada qual no seu ínterim, em sua área de atuação] são capazes de
salvar vidas. Se ao médico compete realizar tal ato de forma mais palpável e
visualizável aos nossos olhos, no caso dos educadores, a educação qualificada
pode significar melhores empregos, participação política, compreensão das leis,
capacidade de manifestação...
Indo
um pouco além das garantias e dos resultados proporcionáveis pela educação de
qualidade, devemos também refletir quanto ao uso do termo “cidadão”
surgido na afirmação inicial que embasa este texto. Não é possível crer como
sendo “cidadãos” nossos conterrâneos brasileiros que não tem acesso garantido a
um sistema educacional que lhes garanta autonomia e condições de igualdade na
luta por uma vida mais digna. Cidadania encerra, enquanto conceito, a
compreensão de que para seu pleno exercício devam existir algumas prerrogativas
básicas, entre as quais, certamente, a educação [de qualidade] “puxa a fila”.
Cidadão, de
acordo com o Dicionário Aurélio, é o “indivíduo no gozo dos direitos civis
e políticos de um Estado”. Como alguém pode usufruir dos direitos e cumprir
com os deveres estabelecidos por qualquer Estado estabelecido de acordo com
prerrogativas democráticas se é alijado logo de princípio por não ter acesso ou
não dispor de educação que lhe conceda os quesitos mínimos para o exercício de
suas responsabilidades e gozo de seus direitos?
O
mínimo que se pode dizer é que vivemos paradoxos como o da cidadania que é
concedida por lei, mas incompreendida por quem a ela deveria ter acesso por
incapacidade para o exercício da leitura... Ou ainda que tenha o poder de ditar
os rumos políticos do país através do voto, os brasileiros na realidade não
decidem por não estarem aptos a entender com a devida profundidade quem são os
candidatos, os partidos, as plataformas ou mesmo quais as funções de cada cargo
eletivo...
De
qualquer forma, ainda que compreendamos tudo aquilo que já foi debatido nestas
linhas [e isto nos torna privilegiados num país em que ainda existe expressivo
contingente de pessoas que não tem acesso ou capacidade de compreensão para
tal], cabe finalizar o presente artigo destacando que ao cidadão brasileiro [ou
de qualquer nacionalidade] deve ser dado e executado o direito de acesso,
compreensão e uso do conhecimento humano.
Neste
sentido precisamos de escolas que não apenas “reproduzam” e despejem
conhecimento livresco sobre nossos estudantes. Promover o pensamento, a prática
científica voltada para a aplicação em prol da sociedade, a capacidade de
participação, o ensejo as artes e aos esportes não apenas como discurso ou como
“objetivo” que consta dos planejamentos anuais é algo a se realizar. As escolas
precisam ir além do acesso ao conhecimento, promovendo de forma clara e
consistente também a compreensão e, em especial, a utilização destes saberes em
suas vidas.
Agora,
é preciso igualmente forçar a leitura até o final da definição apresentada
quanto à “educação de qualidade” para que não nos esqueçamos que o acesso, a
compreensão e o uso do conhecimento devem ser sempre guiados por conceitos de
fraternidade, justiça, lealdade, criticidade, ética e cidadania. Só assim
teremos, de fato, atingido o almejado sucesso educacional. Apenas contando com
estas bases como o apoio à aplicação dos saberes acessados e em utilização é
que poderemos ter certeza que atingimos, de fato, a educação que cremos ser de
qualidade...